Tiraram as minhas vendas. Eu
estou nua. De roupa? Não, de vendas. O mundo está mais claro e de dentro pra
fora eu quero gritar. De fora pra dentro eu quero viver. Posso gritar vivendo?
Não provei isso ainda sem as vendas. Caramba, eu existo. Eu resisto. Eu sou
forte. Eu sou resiliente. Eu sou mulher que sente desejo, que sente medo, que
faz piada besta, que senta em qualquer esquina pra conversar, que não dispensa
uma confusão em busca de respeito e que renasce a cada riso que entra pelos
tímpanos. Eu sou mulher que chora. Eu sou mulher que vive e tenta a todo
momento tirar suas vendas, erguer a cabeça e dizer: ‘puta merda, era mais fácil
que eu imaginava’. Isso eu tento, mas fácil não é. Nada é fácil. Eu sou mulher
resiliente, mas qual mulher que não é? A mulher já nasce se justificando e
sendo vendada. A mulher já nasce sendo oferecida como par, como modelo, como
dona, como o que os outros querem que ela seja. Mas ela já nasce forte. Já
nasce com um choro que estoura vidros da maternidade e segue sendo quem ela
deseja ser. Colocam grades e status de diferentes tipos para a mulher. Colocaram
várias para mim e hoje, com a alma despida de preconceitos, com o medo tentando
me vendar de novo e a resiliência que eu descobri existir em mim, eu corto,
grade por grade e faço desses ferros vários trilhos para poder traçar novos
caminhos. Caramba, quanto buraco. Caramba, quantas portas fechadas. Caramba,
uma luz. É pra ela que eu olho, porque as portas fechadas não me interessam,
mas a luz que emana do fundo da resiliência e reflete aonde devo olhar me cabe
como luvas. Sou mulher. Sou frágil. Sou forte. Tenho um auê de hormônios em
mim. Sou filha. Sou neta. Sou mulher e trago comigo o olhar cravado de quem me
viu crescer. Sou neta. Sou filha. Sou mulher. Sou a geração que quebra
conceitos e que aprende que a força do antepassado vem para somar, mas vida é
exatamente o caminho que escolho trilhar e o meu caminho é feito de todas as
grades que eu quebro e de todas as frestas de luz que eu vejo a cada porta
escura que se fecha. A minha vida pertence a mim. A minha força vem de mim. À
elas, que passaram por aqui e me permitiram ser quem sou, deixo a eterna
gratidão por poder viver. Eu sou mulher e escolho viver do jeito que me permito
viver e não exatamente como querem ou permitem que eu viva.
Mariane Mirandola,
2022