segunda-feira, 14 de março de 2022

CARTA PARA MINHA TERAPEUTA: De quando tiraram minhas vendas

 

Tiraram as minhas vendas. Eu estou nua. De roupa? Não, de vendas. O mundo está mais claro e de dentro pra fora eu quero gritar. De fora pra dentro eu quero viver. Posso gritar vivendo? Não provei isso ainda sem as vendas. Caramba, eu existo. Eu resisto. Eu sou forte. Eu sou resiliente. Eu sou mulher que sente desejo, que sente medo, que faz piada besta, que senta em qualquer esquina pra conversar, que não dispensa uma confusão em busca de respeito e que renasce a cada riso que entra pelos tímpanos. Eu sou mulher que chora. Eu sou mulher que vive e tenta a todo momento tirar suas vendas, erguer a cabeça e dizer: ‘puta merda, era mais fácil que eu imaginava’. Isso eu tento, mas fácil não é. Nada é fácil. Eu sou mulher resiliente, mas qual mulher que não é? A mulher já nasce se justificando e sendo vendada. A mulher já nasce sendo oferecida como par, como modelo, como dona, como o que os outros querem que ela seja. Mas ela já nasce forte. Já nasce com um choro que estoura vidros da maternidade e segue sendo quem ela deseja ser. Colocam grades e status de diferentes tipos para a mulher. Colocaram várias para mim e hoje, com a alma despida de preconceitos, com o medo tentando me vendar de novo e a resiliência que eu descobri existir em mim, eu corto, grade por grade e faço desses ferros vários trilhos para poder traçar novos caminhos. Caramba, quanto buraco. Caramba, quantas portas fechadas. Caramba, uma luz. É pra ela que eu olho, porque as portas fechadas não me interessam, mas a luz que emana do fundo da resiliência e reflete aonde devo olhar me cabe como luvas. Sou mulher. Sou frágil. Sou forte. Tenho um auê de hormônios em mim. Sou filha. Sou neta. Sou mulher e trago comigo o olhar cravado de quem me viu crescer. Sou neta. Sou filha. Sou mulher. Sou a geração que quebra conceitos e que aprende que a força do antepassado vem para somar, mas vida é exatamente o caminho que escolho trilhar e o meu caminho é feito de todas as grades que eu quebro e de todas as frestas de luz que eu vejo a cada porta escura que se fecha. A minha vida pertence a mim. A minha força vem de mim. À elas, que passaram por aqui e me permitiram ser quem sou, deixo a eterna gratidão por poder viver. Eu sou mulher e escolho viver do jeito que me permito viver e não exatamente como querem ou permitem que eu viva.

Mariane Mirandola,
2022

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